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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Continuação 4: CAMPOS E MATOS



A COBRA



Nós estávamos escalados na topografia e fomos medir uma área na beira de um córrego porque a escola queria aumentar uns tanques de peixes e aquele terreno era apropriado para se aproveitar água do córrego usando a força da gravidade para encher os tanques.

Passamos lá uma manhã inteira, medindo, fazendo cálculos, anotando dados.

Eu, pra ser sincera, não entendia nada daquela parafernália e muito menos dos cálculos, então só segurava a régua, carregava água e os materiais para os meninos fazerem o resto. Era a ajudante.

Depois de uma manhã inteira e muito cálculo, mais um monte de “sei lá o quê” que os meninos faziam com aquele aparelho, voltamos para a escola.

Era uma segunda-feira e esse dia da semana era o mais critico. Por que cada menino quer contar mais histórias que o outro e geralmente são sobre suas peripécias do domingo à noite. As meninas da cidade davam o maior mole para os meninos do Cera e isso os fazia acreditar verdadeiramente em seus poderes de sedução.

E eles vinham numa conversa acirrada sobre seus feitos. Com o saco cheio deles comecei a andar mais rápido, pois a fome apertava. Fui me distanciando deles. Trazia nas costas o aparelho de topografia e os meninos traziam as demais ferramentas. Eu estava com fome e por isso andava rápido e com a cabeça baixa, prestando atenção na grama verde, De repente parei mecanicamente, parecia travada, possuída pelo medo, sem conseguir nenhuma reação, minhas pernas pareciam não obedecer a ordens automáticas do meu cérebro.

O Hernane, astucioso percebeu quando parei de súbito e apresou-se em minha direção, trazia nas mãos uma estrovenga e de súbito decepou ao meio, a cobra que já vinha em minha direção. Perto dali o ninho das cobrinhas, e a cobra mãe foi decepada ao tentar defender seus filhotinhos. Por certo ela acreditava que eu fosse atacá-los e veio, corajosamente, defender os filhotinhos e se não fosse meu parceiro velho de guerra há essa hora eu não estaria aqui pra escrever essa história.

Os meninos praticamente arrastaram- me até a escola, pois fiquei em estado de choque. Sentaram-me na escada do corredor e trouxeram-me um copo com água. Fiquei um pouco ali sentada, sem reação, mas logo foi voltando a circular meu sangue pelas veias e consegui andar até o alojamento para tomar um bom banho e refazer do susto.





NA CIDADE



Na cidade, sempre através de algum amigo da escola, conhecíamos pessoas que não faziam parte do mundo agropecuário que eram visinhos, amigos, primos e às vezes até paquera de alguém da escola e acabávamos nos tornando num grande círculo de amigos.

Sinara namorava com um rapaz chamado Cleber. E foi através deste namoro que nos conhecemos.

Ela convidou-me para ir a uma festa junina no quartel com ela e seu namorado.

Estava uma noite muito, muito fria. E apesar do frio e da neblina, podia-se ver, vez ou outra, a lua, tão linda e redonda brilhando no céu Aquidauanense.

Fomos as duas encontrar com o Cleber no Bar da Praça.

− Olha lá ele!

Disse a Sinara.

Olhei, mais via várias pessoas, então perguntei:

─ Qual?

─ Aquele de camiseta vermelha, agora vindo em nossa direção.

Ao vê-lo pensei: “Meu Deus do céu!” Não acreditei em que viam meus olhos, só podia ser aparição ou sonho, por certo não existia na verdade, um homem tão bonito.

Era o Homem mais bonito que já vi durante a minha vida toda. E mesmo que eu passe horas descrevendo-o, não conseguiria descrever tamanha beleza.

Eu sei que vocês vão dizer que pequei. E confesso: cobicei o homem da próxima, e a próxima estava próxima. O que é ainda pior. Mais era algo além de minhas forças e deixar de cobiçá-lo era quase impossível.

Ele andava calmamente, passo a passo pela calçada, parecia um modelo numa passarela. Usava uma camiseta Pólo vermelha calça Jeans e tênis. Cabelos bem curtinhos, estilo militar, pois ele estava servindo ao exército na época. Olhos cor de mel, pele clara, lisa, barba feita e a boca carnuda. E que “boca” era aquela? Ele tinha um jeito de ficar molhando os lábios a toda momento que era coisa de louco... E o sorriso? Um sorriso calmo, quase silencioso que parecia iluminar toda a noite. O corpo musculoso, torneado, formas perfeitas. Tudo era proporcionalmente perfeito. Cada centímetro foi desenhado com sucesso pra provar que Deus é perfeito em suas obras.

Cleber e eu conversamos a noite toda, nossos assuntos combinavam e a Sinara e o Murilo ficavam apenas nos olhando, como se fossem meros coadjuvantes no espetáculo onde nós dois atuávamos como atores principais.

Divertimo-nos muito. Riamos de tudo. É impressionante como adolescente acha graça em tudo. Também a vida é boa, sem responsabilidades, sem contas para pagar, filhos, trabalho, casa e todo o resto que faz um adulto quase enlouquecer. Mais não a nós, com nossa adolescência toda pela frente pra poder vivermos felizes e rindo de tudo. No final da festa o Cleber e um amigo dele nos levaram pra casa.

Encontramo-nos mais algumas vezes depois, sempre em companhia da Sinara, mais o namoro não durou muito, nem me lembro por que eles romperam. Sei que logo ela arrumou outro e ele outra e seguiram seus rumos na vida.

E o Cleber e eu acabamos perdendo o contato. Chegamos a nos encontrar umas vezes por acaso, mas logo ele começou a namorar outra garota e seguiu um caminho diferente do que eu e as pessoas do meu círculo de amizade costumávamos seguir.



TESTE DE FIDELIDADE



Quando somos jovens fazemos umas coisas que mesmo depois de muito tempo e de muito juízo não conseguimos explicar a razão dos nossos feitos de adolescentes.
Entre a Rusi e eu tem uma história assim, que não tem explicação e nem motivo.
Ela começou a namorar com o Joelson, popular Boiola, logo que chegamos em Aquidauana. E depois de uns tempos começou a desconfiar da fidelidade do namorado. Sempre ela comentava suas desconfianças a mim e as meninas.
Um dia ela fez-me uma proposta meio louca, era pra eu dar em cima de seu namorado pra ver a reação dele. Achei aquilo um absurdo, fiquei chateada com ela. Mais por dias ela insistiu naquilo.
Por causa da insistência dela eu comecei a observar mais nele, nas coisas que ele fazia pela escola, no seu comportamento com os amigos, nos bailes e nos lugares onde estávamos.
E a Rusi sempre voltava a tocar no assunto de eu flertar com seu namorado.
Até que eu aceitei.
Passamos a planejar cada passo da suposta paquera. E tinha dia e hora marcada pra tudo começar a ser posto em prática. A Magali e o Luciano faziam parte do plano.
Fomos até o Viana,uma padaria que a noite se transformava em ponto de encontro da rapaziada. O Joelson e quase todos os meninos da escola estavam lá. Sentamo-nos numa mesa perto dele e comecei a olhar de vez em quando pra ele. Depois levantei e sentei-me à mesa onde ele estava. Conversei com todos e ria alegre, até cheguei a esquecer do plano. Tomei umas cervejas e esqueci por completo. A Magali, argilosa e astuta foi falar com o Joelson:
− Boiola, você não percebeu uma menina que está a fim de você?
− Não! Quem?
− Eu não vou te falar não, você tem compromisso, Né?
− É tenho compromisso.
E assim a gente chegou a pensar que ele fosse um namorado fiel. E que a Rusi tinha inventado uma dor de cabeça sem motivo.
Porém durante a semana eu continuei percebendo o jeito dele seguia-o com os olhos por toda a escola.
Passou um tempo e eu resolvi pintar meus cabelos de loiro. De negras madeixas passei a ostentar uma bela cabeleira loira que chamou a atenção pela mudança drástica na aparência. E pela primeira vez duvidei da fidelidade do namorado da minha amiga. E ele elogiou meus cabelos, me olhou nos olhos. Um olhar que me provocou até calafrios. E daquele dia em diante ele começou a me paquerar.
E a Rusi voltou com a conversa de por o plano em prática. Eu não quis, mais na realidade eu queria e queria muito. Recusei no começo. Ela insistiu. Eu aceitei.
E novamente no fim de semana ela teve dor de cabeça e não saiu.
A Magali, o Lú e eu saímos pra por em prática o argiloso plano. Novamente no Viana encontramos o pessoal, sentamos junto com o Joelson e mais uns meninos do segundo ano. Eu me sentei bem ao lado do Joelson.
Ele elogiou meu perfume e disse que eu estava bonita. Eu sorri. Acho que até fiquei corada.
Pensei: “não terei coragem de dar em cima dele. Ela é minha amiga. Moramos juntas. Isso não vai dar certo.”
De repente ele me perguntou;
− Está pensando em quê?
− Em nada!
E sorri. Ele me olhava bem no fundo dos olhos. Reparei que seus olhos eram verdes. Tão lindos e verdes. E daí, sabe quando todos os sons somem da sua cabeça, ficando só a pessoa falando, falando e você só consegue prestar atenção na boca se movendo em câmera lenta? Eu não conseguia me desprender daqueles lábios. Até que a Magali se levantou pra ir embora e eu disse que iria acompanhá-la.
O Luciano como era namorado dela levantou também e ai o Joelson levantou e disse que iria com a gente também.
E a gente escolheu a rua mais escura e menos movimentada pra ir. A Magali e o namorado foram um pouco mais a frente e o Joelson e eu logo atrás deles. Íamos conversando, rindo e quando passamos em baixo de um pé de sete copa eu esfreguei uma mão na outra por que estava um pouco frio e bem na hora caiu uma folha da árvore nas minhas mãos. Eu ri. E ele me disse:
− Sabia que quando cai uma folha de sete copa nas suas mãos você tem que dar um beijo pra ter sorte pra sempre?
− A tá bom!
E nisso ele me segurou e me beijou de surpresa. Eu parei olhei pra ele que sorria pra mim. Um turbilhão de coisas passou pela minha cabeça. E eu falei pra ele:
− Está errado isso. Você é namorado da Rusi. Ela mora comigo. Está errado, as coisas não podem ser assim.
− E como as coisas devem ser?
− Sei lá! Mais não assim.
_ Você tem razão. Não tem que ser assim. Tem que ser assim...
E me puxou forte em seus braços e me beijou tão bom que eu não quis parar aquele beijo afinal a Rusi causou tudo aquilo. E beijamos muito.
Voltamos pro Viana e logo depois eu fui pra casa, que era meia quadra do Viana.
Quando cheguei em casa, logo contei a história pra Rusi, não com todos os detalhes pra não lhe magoar ainda mais. Ela me olhou firme e me disse;
− Não pensei que ele fosse ficar com você. Sei lá. Eu não pensei que fosse capaz.
− Você quis que isso acontecesse.
− Mais eu achei que não ia acontecer.
− Você subestimou minha capacidade de sedução. Acha que por eu ser gordinha, ele não iria se interessar por mim. Enganou-se!
− Na realidade eu queria testar vocês dois.
− Que seja... Você se deu mal!
E fomos dormir chateadas, magoadas e feridas.