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sábado, 13 de novembro de 2010

Continuação 4: CAMPOS E MATOS

JUREMA




Jurema é uma personagem muito especial para qualquer um que passou pela escola. É uma mula muito inteligente e bela. Sabia voltar sozinha pro mangueiro onde morava e até já desfilou em praça publica ostentando um lindo girassol na orelha esquerda. E em muitas das histórias vividas pelos alunos que passaram por lá, a Jurema fez parte. Em muitas das vezes, ela, dizem as más línguas, era a cabeça de toda a tramóia.

Certo dia o Coalhada, o Tithiolina e o Néder juntamente com a Jurema armaram uma estratégia muito ardilosa pra caçar tatu.

Começaram pela manhã a armar o plano mirabolante deles, procuraram o buraco do tatu e com uns galhos secos deixaram tudo marcado pra mais tarde.

Voltaram pra escola e foram pra aula como de costume.

E tudo mais também seguiu como de costume: foram pro alojamento, tomaram banho, foram pro refeitório, jantaram, voltaram pro alojamento, fizeram sua higiene, assistiram um pouco de TV e foram dormir como em qualquer outro dia faziam.

Depois que todos dormiram e que o silencio imperava pela escola eles levantaram em surdina e começaram a pôr em pratica o plano. Foram até a bovinocultura, onde dormia inocentemente a pobre mula que logo seria cúmplice de toda a tramóia.

A trupe ajeitou a carroça no lombo da mula, um tambor com água e seguiram silenciosamente.

A intenção deles era encher de água o buraco até forçar o tatu a sair da toca em seguida o Néder o acertaria com um porrete que o tontearia e logo o Coalhada agarraria o animal enquanto o Tithiolina alumiava o local com uma lanterna.

Tudo saiu como o esperado.

O pobre tatu foi pego e virou churrasquinho. E para não deixar vestígio da ação noturna os meninos pegaram as brasas e colocaram em cima da carroça e iam jogar tudo num lago ali perto, porém a estratégia teve que ser mudada às pressas por que quase foram pegos em flagrante e tiveram que abandonar a carroça e a mula ali mesmo.

No dia seguinte, logo pela manhã, quando o ônibus chegou à escola nos deparamos com os demais alunos do internato rigorosamente em fila indiana, reta e silenciosa e na frente o inspetor e o diretor que falam sem parar, era sermão em cima de sermão.

O objetivo era descobrir quem havia colocado fogo na carroça da Jurema e deixado a pobre atrelada à carroça, correndo o perigo de ser incendiada.

E enquanto o malfeitor não aparecesse ninguém sairia daquele local e posição.

Porém, depois de incansáveis horas e tentativas sem sucesso a direção da escola desistiu pois os culpados não entregaram-se e tudo terminou em pizza, ou melhor em bandejão com arroz, salada e carne de porco.

A CASA




Mudei-me do hotel logo depois e passei a morar com a Dona Arminda, coordenadora da escola. Mais também não morei muito tempo com ela.

Fui morar na pensão da mãe da Claudia, telefonista no Cera. Na pensão da Tia Nelci, a mãe da Claudia, a comida e o tratamento que davam a todos os moradores era muito bom. Mais também não permaneci lá por muito tempo.

Fui morar com a Andréia, a Dani e mais alguns agregados de fim de semana, numa casa em frente ao cemitério. E foi onde morei até o dia da minha formatura.

A casa era uma meia água azul, com uma varanda na frente e ficava no fundo de outra casa.

Essa casa foi palco de muitas festas e cachaçadas.

A dona da casa da frente tinha um cachorro preto chamado Zeus que dava um certo ar de mistério a casa que já tinha um quê de sombrio por causa do cemitério.

Quando chegávamos à noite das festas e encontrávamos aquele bichão preto deitado na varanda dava até um arrepio, um incontrolável medo.

Mas Zeus era um cão dócil, apesar da sua cara feia.



ANDRÉIA



A Andréia é uma amiga muito especial. Durante o tempo que moramos juntas nós rimos, choramos, brincamos, falamos sério, bebemos, encobertamos as armações uma da outra, fomos cupido, amigas e parceiras.

Graças a ela posso dizer seguramente que tenho uma amiga.

Ela é uma morena de parar o trânsito, muito sensual , provocante, misteriosa e sua personalidade extremamente marcante. Lábios carnudos, rosto oval, alta, magra, alegre, conversadeira e muito prestativa. Seus olhos expressam sua força interior. Como diz o poeta: os olhos são o espelho da alma.

Seu jeito despertava nos homens o desejo e ao mesmo tempo insegurança. Eles a desejam carnalmente, mais ela sempre deixava seus namorados inseguros, por sua beleza e aparente volúpia. E ela gostava e divertia-se com isso.

Ela chegou à escola quando já estávamos no 2º ano do curso, transferida de outra escola agrícola para a nossa. Já no primeiro momento sentimos uma afinidade, uma inexplicável compatibilidade, como se fosse um laço de sangue, um estranho parentesco, era assim que descrevíamos nossa relação. De repente fomos irmãs em outra vida. Pois apesar de um monte de ações sua que eu não considerava certa, nunca ficamos contrarias ou brigadas por muito tempo.



O CAUSO



Um dia, eu e o Gustavo resolvemos tomar umas para esquecer... Esquecer sabe lá de que... Na verdade nem tinha o que esquecer, bebíamos era pelo prazer de ficar tonto.

Preparei uma caipirinha com pouco açúcar, que era a nossa preferida. E descia uma dose. Um mandava uma história. O truco rolando solto. Mais uma dose. Risada, piada, casos, mentira. E entre uma mentira e outra uma dose...

Acabou a pinga, nós dois já mais pra lá do que pra cá, fomos comprar a “saideira”. Era mais ou menos meia noite quando voltávamos e o Gustavo teve uma idéia:

─ Vamos beber esta no cemitério?

─ Vamos!

─ Então eu te ajudo a subir no muro e depois você me puxa.

Ele fez um apoio com as mãos pra eu subir e quando eu olhei pra aquela imensidão de túmulos parece que eu vi um clarão, deu uma moleza nas pernas que me fez cair como manga podre, perdi os chinelos no meio da grama e do jeito que levantei sai correndo e o Gustavo atrás perguntando o que eu tinha visto, e pra completar o Zeus assustou-se e avançou contra nós, quase não nos deixou entrar.

O que eu vi, ao certo eu não sei, mais daquele dia pra cá o Gustavo e eu passamos a respeitar muito mais o campo-santo.



GRUPO TEATRAL DO CERA



Tínhamos na escola um grupo teatral bem estruturado e sempre de muito talento artístico, roteiros bem escritos e direção excepcional. Que ao longo da história da escola fez parte por suas belíssimas apresentações.

Desde que soube do grupo tentei fazer parte do elenco, porém como ainda não tinha muitos amigos na escola não consegui ser escolhida. Havia um processo de seleção que na verdade era uma espécie de formação de cúpula, pois quem selecionava os integrantes do grupo eram os próprios candidatos a atores.

No dia da seleção tinha uma votação onde votava em si próprio e em mais um indicado, formando-se assim um grupo de afinidades que representaria a peça da escola durante um ano. Não consegui ser selecionada em dois anos consecutivos.

No meu terceiro ano de agriculina, depois de duas tentativas frustradas, consegui fazer parte da cúpula e representei ótimos papeis.

Sempre me esforcei muito pra desempenhar bem meu ofício de atriz. Mesmo sendo um grupo de teatro amador, pra mim e para os demais integrantes era o mais importante e célebre grupo.

A primeira peça que encenei no grupo foi a peça “Cine Glória” contando a história do cinema de Aquidauana que apresentava trechos de alguns filmes da época em que o cinema fez maior sucesso e era o único entretenimento da pequena cidade pantaneira. Juntamente com os trechos dos filmes tinham algumas histórias da participação do menino Rubens correia e seu estreito laço com o Cine Glória, que recebeu esse nome em homenagem a sua mãe.

Interpretei uma interessante versão de uma Jane estressada, esposa de um Tarzan vida boa que tinham um bebê muito engraçado. Na peça atuávamos sempre de mais um papel com figurinos muito originais e visando sempre o baixo custo.

O resultado da peça foi muito bom e na época recebemos ótimas criticas e até fui reconhecida na rua uma vez. Isso demonstra o ótimo trabalho desempenhado por todo o grupo.

Apresentamos a peça “Cine Gloria” para todos os alunos e funcionários da escola, para os universitários do CEUA e numa mostra teatral em Maracaju.





NOS FINS DE SEMANA



Durante a semana toda inevitavelmente ficávamos na escola o dia todo e em algumas noites. Mais nos fins de semana reuníamos os amigos da escola na minha casa ou em algum dos barzinhos da cidade pra conversar, beber, tocar, cantar moda de viola e paquerar.

Nossa vida social era muito intensa. Os meninos faziam muito sucesso com as meninas da cidade e isso causava certo furor nos garotos da cidade, que para vingarem-se, paqueravam as meninas do Cera. Mais no final todos saiam ganhando, de um lado ou de outro. O negocio era paquerar e isso a gente fazia direitinho.

Saíamos no começo da noite e voltávamos às vezes com o dia raiando.

Nosso passatempo preferido era ir a bailes. Dançar e paquerar muito.

Os meninos da escola não eram bonitos, na verdade tinham uns que eram bem feinhos, mais o simples fato de estarem no Cera fazia deles objeto de desejo da mulherada. Eles tinham um jeitão rústico, bruto, uma maneira de falar errado que fazia as garotas suspirarem.

E a contrapartida as meninas da escola tornavam-se as melhores candidatas a amiga de muitas das patricinhas da cidade, que queriam nos usar como ponte até seus pretendentes. Claro que a gente percebia esse jogo, mais isso nunca nos trouxe nenhum problema.