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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Continuação 3: CAMPOS E MATOS


A COBRA

Nós estávamos escalados na topografia e fomos medir uma área na beira de um carrego porque a escola queria aumentar uns tanques de peixes e aquele terreno era apropriado para se aproveitar água do carrego usando a força da gravidade para encher os tanques.
Passamos lá uma manhã inteira, medindo, fazendo cálculos, anotando dados.
Eu, pra ser sincera, não entendia nada daquela parafernália e muito menos dos cálculos, então só segurava a régua, carregava água e os materiais para os meninos fazerem o resto. Era a ajudante.
Depois de uma manhã inteira e muito cálculo, mais um monte de “sei lá o quê” que os meninos faziam com aquele aparelho, voltamos para a escola.
Era uma segunda-feira e esse dia da semana era o mais critico. Por que cada menino quer contar mais histórias que o outro e geralmente são sobre suas peripécias do domingo à noite. As meninas da cidade davam o maior mole para os meninos do Cera e isso os fazia acreditar verdadeiramente em seus poderes de sedução.
E eles vinham numa conversa acirrada sobre seus feitos. Com o saco cheio deles comecei a andar mais rápido, pois a fome apertava. Fui me distanciando deles. Trazia nas costas o aparelho de topografia e os meninos traziam as demais ferramentas. Eu estava com fome e por isso andava rápido e com a cabeça baixa, prestando atenção na grama verde, De repente parei mecanicamente, parecia travada, possuída pelo medo, sem conseguir nenhuma reação, minhas pernas pareciam não obedecer a ordens automáticas do meu cérebro.
O Hernane, astucioso percebeu quando parei de súbito e apresou-se em minha direção, trazia nas mãos uma estrovenga e de súbito decepou ao meio, a cobra que já vinha em minha direção. Perto dali o ninho das cobrinhas, e a cobra mãe foi decepada ao tentar defender seus filhotinhos. Por certo ela acreditava que eu fosse atacá-los e veio, corajosamente, defender os filhotinhos e se não fosse meu parceiro velho de guerra há essa hora eu não estaria aqui pra escrever essa história.
Os meninos praticamente arrastaram- me até a escola, pois fiquei em estado de choque. Sentaram-me na escada do corredor e trouxeram-me um copo com água. Fiquei um pouco ali sentada, sem reação, mas logo foi voltando a circular meu sangue pelas veias e consegui andar até o alojamento para tomar um bom banho e refazer do susto.


NA CIDADE

Na cidade, sempre através de algum amigo da escola, conhecíamos pessoas que não faziam parte do mundo agropecuário que eram visinhos, amigos, primos e às vezes até paquera de alguém da escola e acabávamos nos tornando num grande círculo de amigos.
Sinara namorava com um rapaz chamado Cleber. E foi através deste namoro que nos conhecemos.
Ela convidou-me para ir a uma festa junina no quartel com ela e seu namorado.
Estava uma noite muito, muito fria. E apesar do frio e da neblina, podia-se ver, vez ou outra, a lua, tão linda e redonda brilhando no céu Aquidauanense.
Fomos as duas encontrar com o Cleber no Bar da Praça.
− Olha lá ele!
Disse a Sinara.
Olhei, mais via várias pessoas, então perguntei:
─ Qual?
─ Aquele de camiseta vermelha, agora vindo em nossa direção.
Ao vê-lo pensei: “Meu Deus do céu!” Não acreditei em que viam meus olhos, só podia ser aparição ou sonho, por certo não existia na verdade, um homem tão bonito.
Era o Homem mais bonito que já vi durante a minha vida toda. E mesmo que eu passe horas descrevendo-o, não conseguiria descrever tamanha beleza.
Eu sei que vocês vão dizer que pequei. E confesso: cobicei o homem da próxima, e a próxima estava próxima. O que é ainda pior. Mais era algo além de minhas forças e deixar de cobiçá-lo era quase impossível.
Ele andava calmamente, passo a passo pela calçada, parecia um modelo numa passarela. Usava uma camiseta Pólo vermelha calça Jeans e tênis. Cabelos bem curtinhos, estilo militar, pois ele estava servindo ao exército na época. Olhos cor de mel, pele clara, lisa, barba feita e a boca carnuda. E que “boca” era aquela? Ele tinha um jeito de ficar molhando os lábios a toda momento que era coisa de louco... E o sorriso? Um sorriso calmo, quase silencioso que parecia iluminar toda a noite. O corpo musculoso, torneado, formas perfeitas. Tudo era proporcionalmente perfeito. Cada centímetro foi desenhado com sucesso pra provar que Deus é perfeito em suas obras.
Cleber e eu conversamos a noite toda, nossos assuntos combinavam e a Sinara e o Murilo ficavam apenas nos olhando, como se fossem meros coadjuvantes no espetáculo onde nós dois atuávamos como atores principais.
Divertimo-nos muito. Riamos de tudo. É impressionante como adolescente acha graça em tudo. Também a vida é boa, sem responsabilidades, sem contas para pagar, filhos, trabalho, casa e todo o resto que faz um adulto quase enlouquecer. Mais não a nós, com nossa adolescência toda pela frente pra poder vivermos felizes e rindo de tudo. No final da festa o Cleber e um amigo dele nos levaram pra casa.
Encontramo-nos mais algumas vezes depois, sempre em companhia da Sinara, mais o namoro não durou muito, nem me lembro por que eles romperam. Sei que logo ela arrumou outro e ele outra e seguiram seus rumos na vida.
E o Cleber e eu acabamos perdendo o contato. Chegamos a nos encontrar umas vezes por acaso, mas logo ele começou a namorar outra garota e seguiu um caminho diferente do que eu e as pessoas do meu círculo de amizade costumávamos seguir.
Teste de fidelidade
Teste de fidelidade

por: Jane Matos Pereira
"Quando somos jovens fazemos umas coisas que mesmo depois de muito tempo e de mui..."

  

Continuação 5

O TEATRO




Depois de meses de ensaio chegou o grande dia da estreia da peça “Alegria” que contava um pouco da história de Rubens Correia, que nasceu em Aquidauana e também fez sucesso no teatro carioca. A peça é formada por recortes, vivências, entrevistas e fragmentos de peças vividas por Rubens Correia, um aquidauanense que foi para o Rio de Janeiro estudar e tornou-se um ator que ficou consagrado através do grupo de teatro Tablado.

A peça foi escrita e dirigida pelo professor Paulo Correia primo em primeiro grau de Rubens.

Eu e alguns amigos, que também faziam parte do grupo teatral do Cera, estávamos em minha casa, esperando o grande momento da estreia da peça.

Levei um susto ao ver o Cleber chegando, afinal o convite não era pra ser aceito, era só por educação. Na verdade, aquele dia eu queria apenas ficar concentrando para a apresentação de mais tarde.

Mais lá estava ele para a visita e para a conversa.

− Olá! Tudo bem com você, Cleber? Senta aqui e toma um tereré com a gente.

Mais uma vez, na tentativa de me livrar dele, fiz outro convite, dei a ele um convite para a estreia da peça que seria logo mais a noite. E logicamente ele foi.

A peça seria apresentada no teatro do CEUA, onde posteriormente fiz meu curso superior.

Quando cheguei ao teatro ele já estava lá me esperando, conversamos por alguns momentos e entrei para fazer a maquiagem.

Muito nervosismo, apreensão, ansiedade.

Contudo a peça foi um sucesso e tudo ocorreu como deveria.

Depois de muitos aplausos, saímos do palco, tiramos a maquiagem, arrumamos tudo e fomos pra minha casa comemorar o sucesso da estreia.

Bebemos muito e conversamos até raiar o sol.



CONVERSAS



Por falar em conversar até raiar o sol lembrei-me de uma coisa que é muito interessante e peculiar a qualquer agriculino que se preze. As gírias.

Tinham coisas bem originais. Como por exemplo, quando queríamos desconversar de algum assunto dizíamos: “quati que ti quer” ou quando concordávamos muito com uma coisa intensificávamos o “é verdade” ou contraditoriamente “pior” que era uma forma de concordar com uma coisa que não era boa.

E tinha umas frases que eu nem sei por que falávamos como, por exemplo, “cai na água capivara baleada”, “anta paralítica”, “pilungo”. E quando íamos trabalhar dizíamos “quebrar rola”.

Os “alunos recém chegados à escola eram “bagaços” e depois a cada ano era promovido para “tio” “avô” e por último “bisavô”.

E pra dar ainda uma autenticidade maior ao falatório tínhamos um sotaque caipirês bem caprichado pra acompanhar a conversa.



BAILE DO RADIALISTA



Na outra semana foi o baile do radialista, tradicional em Aquidauana. Vinha grupos musicais muito bons tocar de graça a noite inteira para o povo se acabar de dançar.

No finzinho da tarde, meus amigos da escola agrícola começaram a chegar a minha casa para os preliminares da festa. E era uma cervejinha, um petisco, tereré e muita conversa fiada até a hora de se preparar: banho, perfume, cabelo, roupa e um toque especial, que era lustrar bem a bota, e pronto, era só cair na noite.

Fomos todos juntos, mais foi só começar o baile que cada um se arranjou e eu fiquei sozinha, conversando com alguém aqui, com outro ali e a festa seguia. O bailão estava lotado, muita gente bonita e animada.

Dancei tanto que as pernas até doeram, transpirava as bicas, com o calorão que faz em outubro, fui buscar uma cerveja no bar para refrescar-me, enquanto me dirigia ao bar senti que alguém segurou meu braço, no entanto, pensei ser um dos meninos e puxei o braço num rompante, mas não era. Era ele, o Cleber em carne e osso, mais lindo do que nunca. Sorri-lhe e disse:

─ Desculpa, achei que fosse um dos meninos que vieram comigo.

E ele só sorria, não respondeu nada, ficou apenas me olhando e rindo. E aquele sorriso, valha-me Deus! Era o sorriso mais encantador, puro e verdadeiro que parecia inundar de luz a penumbra daquele ambiente. E tentativa de acabar com aquele silencio que nos consome e faz pensar um milhão de possibilidades absurdas, convidei-o para buscar uma cerveja no bar.

Aquele percurso até o bar pareceu alongar-se demasiado e que para chegar levamos horas.

Eu achava-o o homem mais lindo e fascinante de todo o mundo e nem nos meus melhores sonhos um dia ousei desejá-lo, pois pra mim ele era como o amor dos poetas, belo, puro e inatingível.

No entanto não fugi da minha sina em nenhum momento. Bebemos, dançamos, conversamos e rimos a noite toda.



O PRIMEIRO BEIJO



Quase no final do baile percebi que meus amigos haviam cada um arrumado uma garota e sumiram da festa. Comentei com ele que meus amigos tinham me abandonado. E brinquei dizendo a ele:

− Como eu, uma garota “ingênua e desamparada” voltarei sozinha para casa?

E ele respondeu um não sei o quê, que o barulho não me deixou ouvir, então me aproximei dele e perguntei o que havia dito.

Nesse momento os meus olhos encontraram os olhos dele e se perderam nessa troca. Por um instante, pareceu que a terra havia parado e que só existíamos os dois no planeta. E aqueles olhos, tão lindos, foram se fechando, os lábios úmidos se abrindo e tive a impressão que sinos soaram em meus ouvidos, nesse momento o espaço parecia efêmero. E nossos lábios se uniram num beijo tão maravilhoso, doce, arrebatador e especial.

Numa fração de segundos o mágico momento virou a mais magnífica realidade, a música voltou a tocar e muitos outros beijos como aquele vieram.

Depois de muitos beijos arrebatadores percebemos que o baile estava acabando e já restavam poucas pessoas no salão. Então saímos abraçados e ele me levou até minha casa.

Parou a moto em frente ao portão, comentou sobre como sinistro achava o cemitério, beijou-me a boca como despedida e partiu.



NO OUTRO DIA



Acordei cedo, fui até a cozinha, bebi um copo com água, encostei-me à porta, senti uma felicidade e depois uma secura na boca. Uma tristeza misturada com insegurança. Pensei; “foi um sonho, é maravilhoso demais, só pode ter sido sonho.”

Um barulho na sala me fez voltar à realidade, eram os meninos que começavam a acordar e logo começou a reclamação de ressaca e as novidades do baile. E eu só ouvia a tudo e recordava maravilhosa noite de beijos.

─ E você, hein? Não laçou ninguém?

Perguntou-me o Coalhada:

─ Eu... Não!... Fui laçada!

─ Humm! Conta! Conta!!!

─ Fiquei com o Cleber...

A Andréia que ainda estava deitada gritou do quarto:

─ Não acredito. O bonitão da Titan?

─ O próprio. – Confirmei.

─ E ai? Vocês estão namorando?

─Não sei... – suspirei − Acho que não!



ESPERA ANGUSTIANTE



O dia seguinte é terrível para as mulheres, a gente fica numa ansiedade horrível, muitas dúvidas surgem: “se será procurada novamente; se que ele gostou; se foi muito atiradinha para o primeiro encontro”. E várias outras dúvidas passam por nossas cabeças e comigo não foi diferente, pensei tudo isso e muito mais. A espera é angustiante.

Depois do almoço os meninos tiravam uma soneca e depois voltavam para a escola de carona.

A Andréia foi para seu estágio numa fazenda perto de Camapuã.

A Dani viajou pra sua casa, pois começava a semana do saco cheio e não teríamos aula.

Eu começaria meu estágio na suinocultura da escola na segunda feira e ficaria sozinha em casa a semana inteirinha, numa solidão de fazer dó, falei comigo mesmo:

− Sozinha! A casa em frente ao cemitério! Humm! Isso não é nada bom...

Mergulhada em meus pensamentos sentei-me na varanda para tomar um tereré e foi então que eu tive a melhor visão do dia: O Cleber andando pela grama verde, com uma bermuda Jeans, uma camiseta vinho e um largo sorriso no rosto. Até o Zeus se encantou com ele e também ficou admirando seu caminhar e não deu um latido se quer.

Quando chegou bem perto de onde eu estava me levantei para pegar uma cadeira para ele que disse “oi” e me beijou de súbito.

Dizem que o primeiro beijo é o melhor, mas ainda hoje fico em dúvida, não sei se o melhor realmente foi o primeiro ou se foi o segundo que veio acompanhado de um “oi” que rematou minhas dúvidas.