O TEATRO
Depois de meses de ensaio chegou o grande dia da estreia da peça “Alegria” que contava um pouco da história de Rubens Correia, que nasceu em Aquidauana e também fez sucesso no teatro carioca. A peça é formada por recortes, vivências, entrevistas e fragmentos de peças vividas por Rubens Correia, um aquidauanense que foi para o Rio de Janeiro estudar e tornou-se um ator que ficou consagrado através do grupo de teatro Tablado.
A peça foi escrita e dirigida pelo professor Paulo Correia primo em primeiro grau de Rubens.
Eu e alguns amigos, que também faziam parte do grupo teatral do Cera, estávamos em minha casa, esperando o grande momento da estreia da peça.
Levei um susto ao ver o Cleber chegando, afinal o convite não era pra ser aceito, era só por educação. Na verdade, aquele dia eu queria apenas ficar concentrando para a apresentação de mais tarde.
Mais lá estava ele para a visita e para a conversa.
− Olá! Tudo bem com você, Cleber? Senta aqui e toma um tereré com a gente.
Mais uma vez, na tentativa de me livrar dele, fiz outro convite, dei a ele um convite para a estreia da peça que seria logo mais a noite. E logicamente ele foi.
A peça seria apresentada no teatro do CEUA, onde posteriormente fiz meu curso superior.
Quando cheguei ao teatro ele já estava lá me esperando, conversamos por alguns momentos e entrei para fazer a maquiagem.
Muito nervosismo, apreensão, ansiedade.
Contudo a peça foi um sucesso e tudo ocorreu como deveria.
Depois de muitos aplausos, saímos do palco, tiramos a maquiagem, arrumamos tudo e fomos pra minha casa comemorar o sucesso da estreia.
Bebemos muito e conversamos até raiar o sol.
CONVERSAS
Por falar em conversar até raiar o sol lembrei-me de uma coisa que é muito interessante e peculiar a qualquer agriculino que se preze. As gírias.
Tinham coisas bem originais. Como por exemplo, quando queríamos desconversar de algum assunto dizíamos: “quati que ti quer” ou quando concordávamos muito com uma coisa intensificávamos o “é verdade” ou contraditoriamente “pior” que era uma forma de concordar com uma coisa que não era boa.
E tinha umas frases que eu nem sei por que falávamos como, por exemplo, “cai na água capivara baleada”, “anta paralítica”, “pilungo”. E quando íamos trabalhar dizíamos “quebrar rola”.
Os “alunos recém chegados à escola eram “bagaços” e depois a cada ano era promovido para “tio” “avô” e por último “bisavô”.
E pra dar ainda uma autenticidade maior ao falatório tínhamos um sotaque caipirês bem caprichado pra acompanhar a conversa.
BAILE DO RADIALISTA
Na outra semana foi o baile do radialista, tradicional em Aquidauana. Vinha grupos musicais muito bons tocar de graça a noite inteira para o povo se acabar de dançar.
No finzinho da tarde, meus amigos da escola agrícola começaram a chegar a minha casa para os preliminares da festa. E era uma cervejinha, um petisco, tereré e muita conversa fiada até a hora de se preparar: banho, perfume, cabelo, roupa e um toque especial, que era lustrar bem a bota, e pronto, era só cair na noite.
Fomos todos juntos, mais foi só começar o baile que cada um se arranjou e eu fiquei sozinha, conversando com alguém aqui, com outro ali e a festa seguia. O bailão estava lotado, muita gente bonita e animada.
Dancei tanto que as pernas até doeram, transpirava as bicas, com o calorão que faz em outubro, fui buscar uma cerveja no bar para refrescar-me, enquanto me dirigia ao bar senti que alguém segurou meu braço, no entanto, pensei ser um dos meninos e puxei o braço num rompante, mas não era. Era ele, o Cleber em carne e osso, mais lindo do que nunca. Sorri-lhe e disse:
─ Desculpa, achei que fosse um dos meninos que vieram comigo.
E ele só sorria, não respondeu nada, ficou apenas me olhando e rindo. E aquele sorriso, valha-me Deus! Era o sorriso mais encantador, puro e verdadeiro que parecia inundar de luz a penumbra daquele ambiente. E tentativa de acabar com aquele silencio que nos consome e faz pensar um milhão de possibilidades absurdas, convidei-o para buscar uma cerveja no bar.
Aquele percurso até o bar pareceu alongar-se demasiado e que para chegar levamos horas.
Eu achava-o o homem mais lindo e fascinante de todo o mundo e nem nos meus melhores sonhos um dia ousei desejá-lo, pois pra mim ele era como o amor dos poetas, belo, puro e inatingível.
No entanto não fugi da minha sina em nenhum momento. Bebemos, dançamos, conversamos e rimos a noite toda.
O PRIMEIRO BEIJO
Quase no final do baile percebi que meus amigos haviam cada um arrumado uma garota e sumiram da festa. Comentei com ele que meus amigos tinham me abandonado. E brinquei dizendo a ele:
− Como eu, uma garota “ingênua e desamparada” voltarei sozinha para casa?
E ele respondeu um não sei o quê, que o barulho não me deixou ouvir, então me aproximei dele e perguntei o que havia dito.
Nesse momento os meus olhos encontraram os olhos dele e se perderam nessa troca. Por um instante, pareceu que a terra havia parado e que só existíamos os dois no planeta. E aqueles olhos, tão lindos, foram se fechando, os lábios úmidos se abrindo e tive a impressão que sinos soaram em meus ouvidos, nesse momento o espaço parecia efêmero. E nossos lábios se uniram num beijo tão maravilhoso, doce, arrebatador e especial.
Numa fração de segundos o mágico momento virou a mais magnífica realidade, a música voltou a tocar e muitos outros beijos como aquele vieram.
Depois de muitos beijos arrebatadores percebemos que o baile estava acabando e já restavam poucas pessoas no salão. Então saímos abraçados e ele me levou até minha casa.
Parou a moto em frente ao portão, comentou sobre como sinistro achava o cemitério, beijou-me a boca como despedida e partiu.
NO OUTRO DIA
Acordei cedo, fui até a cozinha, bebi um copo com água, encostei-me à porta, senti uma felicidade e depois uma secura na boca. Uma tristeza misturada com insegurança. Pensei; “foi um sonho, é maravilhoso demais, só pode ter sido sonho.”
Um barulho na sala me fez voltar à realidade, eram os meninos que começavam a acordar e logo começou a reclamação de ressaca e as novidades do baile. E eu só ouvia a tudo e recordava maravilhosa noite de beijos.
─ E você, hein? Não laçou ninguém?
Perguntou-me o Coalhada:
─ Eu... Não!... Fui laçada!
─ Humm! Conta! Conta!!!
─ Fiquei com o Cleber...
A Andréia que ainda estava deitada gritou do quarto:
─ Não acredito. O bonitão da Titan?
─ O próprio. – Confirmei.
─ E ai? Vocês estão namorando?
─Não sei... – suspirei − Acho que não!
ESPERA ANGUSTIANTE
O dia seguinte é terrível para as mulheres, a gente fica numa ansiedade horrível, muitas dúvidas surgem: “se será procurada novamente; se que ele gostou; se foi muito atiradinha para o primeiro encontro”. E várias outras dúvidas passam por nossas cabeças e comigo não foi diferente, pensei tudo isso e muito mais. A espera é angustiante.
Depois do almoço os meninos tiravam uma soneca e depois voltavam para a escola de carona.
A Andréia foi para seu estágio numa fazenda perto de Camapuã.
A Dani viajou pra sua casa, pois começava a semana do saco cheio e não teríamos aula.
Eu começaria meu estágio na suinocultura da escola na segunda feira e ficaria sozinha em casa a semana inteirinha, numa solidão de fazer dó, falei comigo mesmo:
− Sozinha! A casa em frente ao cemitério! Humm! Isso não é nada bom...
Mergulhada em meus pensamentos sentei-me na varanda para tomar um tereré e foi então que eu tive a melhor visão do dia: O Cleber andando pela grama verde, com uma bermuda Jeans, uma camiseta vinho e um largo sorriso no rosto. Até o Zeus se encantou com ele e também ficou admirando seu caminhar e não deu um latido se quer.
Quando chegou bem perto de onde eu estava me levantei para pegar uma cadeira para ele que disse “oi” e me beijou de súbito.
Dizem que o primeiro beijo é o melhor, mas ainda hoje fico em dúvida, não sei se o melhor realmente foi o primeiro ou se foi o segundo que veio acompanhado de um “oi” que rematou minhas dúvidas.
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