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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Matos e Campos

CONVERSAS


Por falar em conversar até raiar o sol lembrei-me de uma coisa que é muito interessante e peculiar a qualquer agriculino que se preze. As gírias.
Tinham coisas bem originais. Como por exemplo, quando queríamos desconversar de algum assunto dizíamos: “quati que ti quer” ou quando concordávamos muito com uma coisa intensificávamos o “é verdade” ou contraditoriamente “pior” que era uma forma de concordar com uma coisa que não era boa.
E tinha umas frases que eu nem sei por que falávamos como, por exemplo, “cai na água capivara baleada”, “anta paralítica”, “pilungo”. E quando íamos trabalhar dizíamos “quebrar rola”.
Os “alunos recém chegados à escola eram “bagaços” e depois a cada ano era promovido para “tio” “avô” e por último “bisavô”.
E pra dar ainda uma autenticidade maior ao falatório tínhamos um sotaque caipirês bem caprichado pra acompanhar a conversa.


BAILE DO RADIALISTA


Na outra semana foi o baile do radialista, tradicional em Aquidauana. Vinha grupos musicais muito bons tocar de graça a noite inteira para o povo se acabar de dançar.
No finzinho da tarde, meus amigos da escola agrícola começaram a chegar a minha casa para os preliminares da festa. E era uma cervejinha, um petisco, tereré e muita conversa fiada até a hora de se preparar: banho, perfume, cabelo, roupa e um toque especial, que era lustrar bem a bota, e pronto, era só cair na noite.
Fomos todos juntos, mais foi só começar o baile que cada um se arranjou e eu fiquei sozinha, conversando com alguém aqui, com outro ali e a festa seguia. O bailão estava lotado, muita gente bonita e animada.
Dancei tanto que as pernas até doeram, transpirava as bicas, com o calorão que faz em outubro, fui buscar uma cerveja no bar para refrescar-me, enquanto me dirigia ao bar senti que alguém segurou meu braço, no entanto, pensei ser um dos meninos e puxei o braço num rompante, mas não era. Era ele, o Cleber em carne e osso, mais lindo do que nunca. Sorri-lhe e disse:
─ Desculpa, achei que fosse um dos meninos que vieram comigo.
E ele só sorria, não respondeu nada, ficou apenas me olhando e rindo. E aquele sorriso, valha-me Deus! Era o sorriso mais encantador, puro e verdadeiro que parecia inundar de luz a penumbra daquele ambiente. E tentativa de acabar com aquele silencio que nos consome e faz pensar um milhão de possibilidades absurdas, convidei-o para buscar uma cerveja no bar.
Aquele percurso até o bar pareceu alongar-se demasiado e que para chegar levamos horas.
Eu achava-o o homem mais lindo e fascinante de todo o mundo e nem nos meus melhores sonhos um dia ousei desejá-lo, pois pra mim ele era como o amor dos poetas, belo, puro e inatingível.
No entanto não fugi da minha sina em nenhum momento. Bebemos, dançamos, conversamos e rimos a noite toda.


O PRIMEIRO BEIJO


Quase no final do baile percebi que meus amigos haviam cada um arrumado uma garota e sumiram da festa. Comentei com ele que meus amigos tinham me abandonado. E brinquei dizendo a ele:
− Como eu, uma garota “ingênua e desamparada” voltarei sozinha para casa?
E ele respondeu um não sei o quê, que o barulho não me deixou ouvir, então me aproximei dele e perguntei o que havia dito.
Nesse momento os meus olhos encontraram os olhos dele e se perderam nessa troca. Por um instante, pareceu que a terra havia parado e que só existíamos os dois no planeta. E aqueles olhos, tão lindos, foram se fechando, os lábios úmidos se abrindo e tive a impressão que sinos soaram em meus ouvidos, nesse momento o espaço parecia efêmero. E nossos lábios se uniram num beijo tão maravilhoso, doce, arrebatador e especial.
Numa fração de segundos o mágico momento virou a mais magnífica realidade, a música voltou a tocar e muitos outros beijos como aquele vieram.
Depois de muitos beijos arrebatadores percebemos que o baile estava acabando e já restavam poucas pessoas no salão. Então saímos abraçados e ele me levou até minha casa.
Parou a moto em frente ao portão, comentou sobre como sinistro achava o cemitério, beijou-me a boca como despedida e partiu.


NO OUTRO DIA


Acordei cedo, fui até a cozinha, bebi um copo com água, encostei-me à porta, senti uma felicidade e depois uma secura na boca. Uma tristeza misturada com insegurança. Pensei; “foi um sonho, é maravilhoso demais, só pode ter sido sonho.”
Um barulho na sala me fez voltar à realidade, eram os meninos que começavam a acordar e logo começou a reclamação de ressaca e as novidades do baile. E eu só ouvia a tudo e recordava maravilhosa noite de beijos.
─ E você, hein? Não laçou ninguém?
Perguntou-me o Coalhada:
─ Eu... Não!... Fui laçada!
─ Humm! Conta! Conta!!!
─ Fiquei com o Cleber...
A Andréia que ainda estava deitada gritou do quarto:
─ Não acredito. O bonitão da Titan?
─ O próprio. – Confirmei.
─ E ai? Vocês estão namorando?
─Não sei... – suspirei − Acho que não!


ESPERA ANGUSTIANTE


O dia seguinte é terrível para as mulheres, a gente fica numa ansiedade horrível, muitas dúvidas surgem: “se será procurada novamente; se que ele gostou; se foi muito atiradinha para o primeiro encontro”. E várias outras dúvidas passam por nossas cabeças e comigo não foi diferente, pensei tudo isso e muito mais. A espera é angustiante.
Depois do almoço os meninos tiravam uma soneca e depois voltavam para a escola de carona.
A Andréia foi para seu estágio numa fazenda perto de Camapuã.
A Dani viajou pra sua casa, pois começava a semana do saco cheio e não teríamos aula.
Eu começaria meu estágio na suinocultura da escola na segunda feira e ficaria sozinha em casa a semana inteirinha, numa solidão de fazer dó, falei comigo mesmo:
− Sozinha! A casa em frente ao cemitério! Humm! Isso não é nada bom...
Mergulhada em meus pensamentos sentei-me na varanda para tomar um tereré e foi então que eu tive a melhor visão do dia: O Cleber andando pela grama verde, com uma bermuda Jeans, uma camiseta vinho e um largo sorriso no rosto. Até o Zeus se encantou com ele e também ficou admirando seu caminhar e não deu um latido se quer.
Quando chegou bem perto de onde eu estava me levantei para pegar uma cadeira para ele que disse “oi” e me beijou de súbito.
Dizem que o primeiro beijo é o melhor, mas ainda hoje fico em dúvida, não sei se o melhor realmente foi o primeiro ou se foi o segundo que veio acompanhado de um “oi” que rematou minhas dúvidas.




SAIDINHO...


No fim da tarde convidei-o para voltar à noite para jantarmos juntos. Com um sorriso irônico no canto dos lábios ele respondeu que mais tarde voltaria.
Preparei um macarrão com molho de ervas e uma saladinha verde. Arrumei a mesa com uma toalha branca e umas flores para dar um charme. Perfumei a casa com um maravilhoso incenso de lavanda e fui me aprontar para esperar meu convidado.
Às oito horas em ponto ouvi o Zeus latir. Fui até a porta e lá estava o meu amor, lindo, com uma roupa preta e uma jaqueta de couro, dessas que motoqueiro usa.
E o perfume? O quê era aquele perfume? Não sei se aquele perfume ainda é fabricado, mais ainda hoje me lembro daquele cheiro, imponente, másculo, com um suave toque amadeirado que o tornava ainda mais atraente.
E o saidinho trazia ainda uma mochila a tiracolo com roupas de dormir. Onde foi que no convite para jantar estava escrito que depois o jantar se estenderia até o café da manhã?
Bem, mais como sou uma anfitriã educadíssima não quis envergonhar meu convidado e deixei aquela mochila passar despercebida, afinal talvez mais tarde ela pudesse ser útil.
Ele disse-me que havia trazido um CD da Alanis Morissetti e foi até o som para colocá-lo, enquanto me contava uma história de seu passatempo preferido: jogo de vôlei. E enquanto ele falava sua voz ia sumindo nos meus ouvidos e meu cérebro concentrou-se inteiramente nos seus lábios molhados que me fazia sonhar e desejar ardentemente seus beijos. Fui até ele e num rompante o beijei fundo e calmo até sua alma se sentir beijada, como diz uma canção que ouvi uma vez.
O jantar ficou pra mais tarde, depois daquele beijo vieram outros e mais outros cada vez mais ardentes e acompanhados de abraços, afagos, múrmuros e acabamos fazendo amor ali mesmo no tapete da sala. E foi tão maravilhoso, especial e fervoroso. Meu corpo encaixava no dele como um quebra-cabeça encaixa suas peças e nos completávamos de tal forma que parecia que líamos os pensamentos um do outro.
A gente tinha muita coisa em comum, mas na hora do amor, decididamente era em que mais combinávamos. Passamos a semana inteira juntos e sozinhos como numa lua de mel. Foi maravilhoso.


CADA MANHÃ


Durante todos os dia da minha vida lá no Cera a pior parte era acordar pela manhã. Aquele despertador tocava desesperadamente e a gente ainda perdia à hora. E saia correndo, se arrumando pelo caminho, penteando os cabelos.
Teve uma vez que eu e a Andréia saímos correndo, atrasadas e pra completar nos deparamos com o trem fazendo manobras nos trilhos. Ai a gente tinha duas opções: esperar o trem terminar a manobra e perder o ônibus ou então pular entre os vagões.
O trem fazia uma parada curta entre uma manobra e o outra e essa era a chance, porem se errasse o pulo já era. Virava presunto. Mais sorte é que adolescente tem uma destreza surpreendente, por que se fosse aos dias atuais, seguramente iria perder o ônibus.


CHURRASQUINHO NO VACA


Opa! Vocês devem estar pensando que tem um erro gramatical no título desse capítulo, mas não. Vaca era o apelido de um professor e amigo da turma.
Depois que comecei a namorar o Cleber eu me afastei um pouco da turma, por isso eles inventaram um churrasquinho na tentativa de trazer meu namorado para o nosso grupo de amigos.
Mas a tentativa foi meio torpe.
Nesse churrasco conheci qualidades do Cleber que não sabia que existiam, por que ele era legal, divertido, engraçado e bem humorado. Mais também muito ciumento. Confundiu a minha amizade com os guris. Achando que eles me davam mole, como ele próprio me confessou dias depois. Mais o fato era que por eu ser a única menina da sala eles me protegiam e paparicavam demasiadamente e isso causou certa estranheza ao Cleber que pensou ser insinuação deles para mim. Mas era só carinho e amizade.
No entanto, o programa foi um fiasco, fiquei dividida entre o namorado e os amigos.
Costumeiramente eu e meus amigos bebíamos e fumávamos muito e isso também criou atrito entre eu e meu amor, que apesar de beber socialmente, como fazia questão de afirmar, ele odiava cigarros.
Eu já estava “quase” tonta quando fui fazer um cigarro de palha. Peguei o fumo de primeiríssima linha, a seda era “traia de patrão”, coloquei o fumo na seda, enrolei com uma destreza invejável, coloquei na boca e quando fui ascender meu enamorado só me olhou, com aquela cara de mau e disse para eu não fumar. Sorri abaixando os olhos, ascendi, dei uma tragada e uma baforada e passei-o para o Coalhada que continuou a fumar.
Dei uma volta pelo quintal, chupei uma bala e fui tentar da um beijo no meu amado que levantou e falou educadamente que não beijava mulher que fumava e que também não as levava para casa. Despediu-se do pessoal, subiu na moto, deu partida e foi embora sem se quer olhar para trás.
Acabei indo embora a pé com a Dani e os guris. Chegamos a casa e nos sentamos na esquina em frente ao cemitério. Pensei que aquele tivesse sido o fim do meu namoro.
Eu lembro vagamente que tocava uma música, nem sei quem canta sei que falava em paredes azuis, solidão, abandono. Eu chorava, chorava muito.
Bêbado é uma coisa, chega a ser engraçado as coisas que um pinguço apronta.
Minha amargura e embriagues era tanta que nem percebi que o Cleber estava parado com a moto atrás de mim. E já fazia tempo que ele estava ali parado ouvindo as histórias dos meninos. Eu só o percebi quando ele me chamou pra dormir. Fui mal educada com ele:
─ Você disse que não beija bêbada, não carrega bêbada e agora quer fazer-se de bonzinho.
─ Mais você não consegue ir pra casa sozinha...
─ Me deixa! A Dani me leva pra casa.
─ Tudo bem. Tchau! – E sumiu pela escuridão.
Há muito custo conseguiram me levar para dentro. Eu não queria entrar, tinha a esperança que ele fosse voltar num cavalo branco e salvar a princesa do pudim de cana.


NO OUTRO DIA...


No outro dia a ressaca é terrível. A cabeça parece que vai estourar e não há água que mate a sede. Mais o pior era a tristeza que consumia minha alma. Eu só queria ouvir musicas de fossa e fumei todos os cigarros que meu pulmão pode suportar. Como se aquilo fosse sarar minha dor e trazê-lo de volta pros meus braços.
No começo eu não gostava nada dele, queria apenas exibi-lo para as minhas amigas como se fosse um troféu. Mais conforme fomos nos conhecendo o amor foi surgindo e crescendo como erva daninha na lavoura. Por isso fiquei tão triste e magoada, não queria que fosse o fim do nosso namoro.
Passei o dia todo triste. O pessoal falava, ria, contava histórias, piadas, mas nada me alegrava nem despertava meu interesse. E assim o dia arrastou-se até a noite chegar, triste e solitária como eu.


À NOITE


Depois de muita insistência da Dani, fomos até a praça, demos uma volta pelo Viana, depois pelo Bar da praça, conversamos um pouco com o pessoal e então resolvemos comer um lanche antes de voltarmos para casa. Sinceramente eu não estava uma companhia nada agradável naquela noite.
Sentamo-nos no Alziro Express para lanchar. Chamamos o garçom. De repente percebi um carro passando bem devagar, ascendi um cigarro, dei uma tragada longa e uma tosse me fez pensar que parar de fumar me faria bem.
O garçom nos trouxe o cardápio. Foi então que percebi o carro, que se aproximava novamente. Meu coração quase saiu pela boca quando reconheci o Cleber ao lado do Marcelo, um amigo dele que até então eu não conhecia, joguei o cigarro, descasquei uma bala, coloquei-a na boca enquanto eles procuravam um lugar para estacionar. Encontraram uma vaga alguns metros de onde estávamos. Desceram e vieram em nossa direção. Cumprimentaram-nos e foram sentando nas cadeiras ao nosso lado. Fiquei quieta, com cara de poucos amigos, acendi um cigarro e então o Cleber me perguntou:
─ Ainda não parou de fumar. Uma moça tão bonita não devia fumar. A mão fede cigarro, o cabelo fede cigarro, sem contar o mal para a saúde...
Na verdade eu sabia de tudo aquilo e também não gostava do cheiro em minhas mãos e em meu cabelo. Mesmo assim não manifestei a mínima reação. Dei mais uma tragada e joguei o cigarro fora, pois o garçom tinha chegado com o lanche.
Depois de comermos falei pra Dani que deveríamos ir para casa que já estava tarde e no outro dia tínhamos que acordar cedo para ir à escola.
─ Não se preocupem levamos vocês para casa. ─ Falou o Marcelo e pediu ao garçom uma cerveja. Eles beberam, conversaram um pouco e eu quieta.
Depois de duas cervejas eles nos perguntaram se já poderíamos ir. Levantamos todos e andamos até o carro. Entrei primeiro, o Cleber entrou em seguida e a Dani foi na frente com o Marcelo.
Antes de descermos o Cleber disse que iria pegar sua moto na casa do amigo e voltava para conversarmos.


A CONVERSA


Em poucos minutos ele estava de volta e expliquei que estava magoada com a forma como ele falou comigo na noite anterior. Obvio que ele tinha sua razão e eu tinha a minha. E que ele deveria ter falado de uma forma mais agradável que não gostava que eu fumasse. Ele concordou que foi grosseiro e pediu educadamente pra eu não fumar quando estivesse com ele.
Depois desta conversa resolvi parar de fumar definitivamente e hoje sou uma saudável mulher cheirosa, porque o pior de todos os males do cigarro, em minha opinião, é o mau cheiro. Fumar não está com nada e faz um mal irreparável a saúde. Por isso por um movimento aos cheirosos e saudáveis: Parem de fumar!


TUDO VOLTA AO NORMAL


Tudo voltou ao seu percurso natural. Até a Andréia voltou depois de meses fazendo estágio em Camapuã.
E ela foi recepcionada com muita festa, é claro, pois tudo naquela época era motivo de festa.
Começamos em casa: música, bebida, rapaziada e muita paquera.
Depois a Andréia sugeriu irmos para o Bar da Praça para continuar a bebedeira:
− Tudo bem então a gente encontra vocês lá que a gente vai de moto.
− A Jane agora virou a Princesa Daiane e o príncipe Charles é o Cleber. Os dois não podem andar a pé. Vão acabar virando uns porcos de gordo. Vamos logo princesa Daiane dê a honra da sua companhia a plebeiada e vamos andando.
Para agradar a minha amiga seguimos todos andando pelas ruas da cidade. Rindo e falando alto seguíamos até o bar.
Chegamos e já pedimos a cerveja mais gelada do bar. Que o Cleber pediu brincando com o garçom:
− Traga duas cervejas bem geladas. Aquelas que você escondeu pro prefeito.
E a cada vez que alguém lembrava que se aproximava a nossa formatura era motivo para bebermos mais uma e nunca faltava alguém para começar a choradeira.
É muito triste ter que se separar dos amigos de anos de festa, alegria, companheirismo, cachaçada e dos momentos sérios também. A gente criou um vinculo de irmãos e com certeza era muito triste saber que cada um ia voltar para sua cidade e seguir a vida dali em diante sem a presença constante dos amigos. E ai pra esquecer a gente bebia mais uma.
Eu, particularmente, ficava mais triste que os demais, pois além dos amigos teria que me separar do amor da minha vida que residia em Aquidauana e eu, só por ocasião dos estudos.


OS PREPARATIVOS


Os preparativos para a formatura iam de vento em poupa. E quanto mais se aproximava a data mais dava um nó na garganta, um aperto no peito. Depois de quatro anos ter que deixar os amigos pra seguir numa vida que parecia não ser a minha, pois a minha vida era os amigos, a escola, as festas, enfim a rotina aquidauanense e em poucos dias eu estaria vivendo numa cidade que apesar de eu ter nascido e crescido, me sentia, naquele instante, total forasteira. E voltar para Ponta Porã era uma coisa que me deixava muito triste.
Eu passava horas pensando Que precisava terminar o namoro com o Cleber. Mais eu estava tão confusa, uma ebulição de sentimento tomavam conta de mim. Na realidade eu não queria terminar nada, mas longe um do outro não dava para continuar esse namoro. Por que pra mim o amor é uma coisa que precisa do toque e da companhia se não se torna o amor inatingível dos poetas românticos.
Olhava para ele e me perdia em meus pensamentos. Queria passar o resto de minha vida ao seu lado, mais e o meu discurso de mulher independente e feminista: que iria trabalhar e ser uma técnica em agropecuária de sucesso, que iria viajar para os maiores centros agrícolas em busca de aperfeiçoamento e novas tecnologias agrárias.
Na verdade não era nada do que eu realmente queria, eu queria era lavar, passar e cozinhar para o Cleber e ter uns seis meninos para formar um time de vôlei. Mais como dizer isso tudo ao meu amado amante?


O PRIMEIRO PASSO...


A verdade é que um dos dois precisa dar o primeiro passo e começar a falar, afinal era a nossa vida.
Voltávamos de um show quando percebemos que furou o pneu da moto então a deixamos na floricultura da irmã dele e seguimos a pé até minha casa. Lembro-me que fazia uma noite linda, a lua brilhava tanto na imensidão negra do céu.
−Olha amor, que linda a lua! − Disse cheia de admiração.
O Cleber parou de andar e me olhou fundo nos olhos, abraçou-me e beijou-me num beijo tão profundo e calmo que me fez sentir medo. Medo de tudo ser simplesmente um sonho, uma falsa verdade e que a felicidade nunca existiu... E o beijo foi interrompido pelas palavras esbaforidas:
─ Amor, vamos continuar namorando depois que você se formar? Falamos-nos por telefone diariamente, de vez em quando você vem me ver e eu também vou lhe ver...
Interrompi-lhe com um beijo, e tão grande era a minha felicidade que quase não consegui falar:
─ Vamos... Vamos... Eu queria tanto ouvir isso de você meu amor...
Apressamo-nos por chegar a casa. E com beijos ardentes e apaixonados, embalados pelas românticas músicas de Alexandre Pires fizemos o melhor amor que duas pessoas apaixonadas podem fazer.




A FORMATURA


Não sei por que, esta tem sido a pior parte pra mim, já parei de escrever por longos meses. E a cada vez que tento recomeçar me dá um nó... Tenho tanta coisa pra falar deste momento da minha vida que acabam me faltando palavras.
São tantos sentimentos misturados: angustia, saudade... Um turbilhão de sentimentos. Uma coisa que me aperta o peito, que sufoca e o cérebro parece emperrar... E só consigo lembrar das cenas mais faltam-me as palavras...
Estou tornando isso confuso. Mais não é essa a sensação que quero transmitir aos leitores, gostariam que tentassem entender como é importante esse momento na vida de uma pessoa e são tantos sentimentos: Tristeza, alegria, amor, amizade, medo, vários sentimentos opostos mais que surgem todos ao mesmo tempo.


O GRANDE DIA


Dormíamos ainda quando fomos surpreendidos por papai nos olhando da porta da sala, que por certo, tinha amanhecido aberta.
Fiquei muito envergonhada, afinal era a primeira vez que meus pais me viam com um namorado, e logo numa situação daquelas. Não havia como esconder ou disfarçar estava só os dois na sala.
Meu pai frente a frente com sua garotinha, que ao lado tinha um bruta monte que é apresentado como namorado. Essa foi à situação mais difícil que tive que enfrentar.
E a cara que meu pai olhou pro Cleber? Acho que ele perdeu uns dez quilos só com o olhar que meu pai lançou contra ele. Visão de raios-X mesmo.
Não sabia ao certo como reagir. Toda encabulada ofereci um tereré.
Conversamos um pouco e joguei a bata quente nas mãos do Cleber e fui pro salão arrumar meu cabelo, e todas aquelas coisas que as meninas fazem no dia da formatura.


CHEGADA A HORA


Tudo estava perfeito. A colação de grau, o culto ecumênico e o baile.
Logo no começo do baile teve um contratempo: uma briga, uma discussão que assustou a todos. Foi um corre-corre, um empurra- empurra...
Achei que seria o fim. Mais tudo logo se resolveu.
Meu nervosismo era maior por que meu amor não tinha ido a colação de grau, não ligou pra avisar nada. E eu sucumbia-me de pavor de ser abandonada no dia da formatura.
Andava de um lado para outro, apreensiva, nervosa, que nem fazia conta com os elogios que recebi.
Era quase 1: 00 hora da madruga quando ele chegou. E estava um pouco estranho. Sério. Senti medo. Mesmo assim, não pude deixar de notar como meu namorado estava lindo, usando uma roupa social, camisa cinza escuro e calça de alfaiataria preta.
Preciso ressaltar que quando ele chegou, eu já havia tomado todas e mais umas já estava quase dobrando o cabo da boa esperança... E daí a tendência era só piorar. E era cerveja que vinha de todos os lados.
Os amigos que já começavam a chorar e a lamentar a separação usavam cerveja pra afogar as magoas. E o povo continuava a beber. E a chorar. E a relembrar do dia que aquele melhor amigo tirou aquele outro de uma enrascada, e aquele que arrumou aquela namorada mais gata da cidade. E cerveja. E choro. E lembra-se do dia que a gente colou na prova e o professor quase pegou. E da vez que o casalzinho escapou do Véio quando se agarrava atrás da sala na hora do almoço. E choro. E bebida. E lembranças. E abraços. E lágrimas.
Foi tanta cerveja e tanto choro que eu acabei esquecendo o namorado que enfurecido e sem entender todo aquele afeto e carinho entre amigos que passaram quatro anos juntos e viveram tantas histórias juntos, não entendia que ali era o começo de uma nova história e o fim de uma historia inteira. Pra nós era a coisa mais importante do mundo.
E eu sei que o meu namorado não era o único a não entender aquele momento, ali tinham muitas namoradas que da mesma forma que o Cleber não entendia aquelas lágrimas, abraços, palavras sem sentidos, cerveja, tristeza e alegria. Ttudo misturado.
Não tenho vergonha de assumir que escrevo essas linhas chorando, aos soluços mesmo. Ter que relembrar aqueles momentos ainda me causam muita emoção e acredito que cada um que estudou no Cera ao ler esse trecho também estará em lagrimas por que experimentou da emoção a qual me refiro.
E o meu namorado sem entender essa emoção, enfurecido e enciumado, aproximou-se:
─ Jane, vamos embora?
─ Não, meu amor, é cedo ainda!
─ Eu já estou indo. Fica ai com seus amigos. E não precisa vir atrás de mim que você já escolheu com quem quer ficar. Ficou a noite inteira se abraçando com um e com outro tem mais é que ficar com eles.
─ São meus amigos! É a minha formatura! Não sei quando os verei novamente. E é assim que você trata meus sentimentos?
E sem me responder, virou as costas e saiu.
Fiquei louca, desesperada, fui atrás dele. Mais sandália de saldo não é a melhor coisa pra se correr atrás do namorado quando eles terminam com a gente.
Eu não consegui alcançá-lo e em meio à multidão ele desapareceu...
E eu chorei ainda mais. E bebi ainda mais.
Depois de um tempo eu o vi no meio das pessoas e fui até ele:
─ Você não tinha ido embora? Arrependeu-se e voltou porque quer ficar comigo, né?
─ Não! Voltei porque tenho convite...
Saiu de perto de mim e começou a dançar num grupinho.
Eu fiquei meio por perto, bebendo. E é até onde eu lembro e ele também. Pois não sabemos como e nem sob quais circunstancias chegamos. Mais o fato é que acordamos um ao lado do outro no quarto dele, acordei com as pernas dormentes, pois adormeci com as pernas penduradas pra fora da cama e ele dormindo no chão ao lado da cama. Acordamos com uma dor de cabeça terrível. E rimos muito de tudo.
E ainda tinha o churrasco no Clube do Laço. Tomamos um banho e fomos correndo pra minha casa onde estava minha família nos esperando, meu pai com a mesma cara de poucos amigos do dia que chegou.
Com certeza não era fácil pra ele aceitar toda aquela situação, sua menininha até pouco tempo já era uma mulher.
Fomos todos para o almoço no Clube do Laço de Aquidauana, no caminho meu pai não pronunciou uma única palavra. Por certo estava digerindo toda a história.
Meus amigos já estavam todos reunidos. A música era boa, cerveja gelada, muita carne rolando nos espetos.
Estava uma festa belíssima. Muitos convidados, gente bonita, animada. Mais a felicidade tinha certo sabor de nostalgia, de adeus.
E essa nostalgia que torna essa a parte muito difícil de ser contado, ter que reproduzir em minha mente esses momentos me causa novamente um turbilhão de sentimentos que até então estavam adormecidos no meu peito.
Eu deixei muita coisa por causa do Cleber. E aquele foi um momento em que eu deveria ter vivido exclusivamente para os amigos, para a despedida, para o adeus.
Não era somente a tristeza da despedida que me angustiava, era a certeza de que a minha grande história de amor poderia acabar no momento em que o carro sumisse pela estrada. E isso aumentava muita minha dor, minha tristeza.
E decididamente não soube lidar com meus sentimentos divididos e deixei de lado meus amigos, meu momento. Momento único que eu deveria ter aproveitado até o ultimo instante. Porém, só agora tenho a maturidade de perceber isso. E naquele momento eu escolhi o amor, e todos devem concordar comigo: é uma escolha muito difícil, não é?


A PARTIDA


É chegada à hora da derradeira partida.
Fica no coração uma lembrança e na alma uma cicatriz que nunca sumirá.
A dor de não ter dado o devido valor àquele momento.
Parti. E aos melhores amigos de toda uma vida, disse um simples adeus. Um adeus frio e insignificante. Perdi a oportunidade de dizer a cada amigo a verdadeira importância que tiveram em minha vida. De olhar bem nos olhos dos meus amigos e dizer que os amava e que pra sempre teria cada um deles gravado na minha memória e no meu coração. E que sabia que dificilmente voltaria a revê-los mais que tinha valido muito, cada segundo que passamos juntos.
Mas passei este momento tão especial e único da minha vida como se fosse um acontecimento banal. Que inconseqüente eu fui!
Lembro-me que eles anotavam endereços e telefones um do outro e eu não anotei nenhum único contato por que tinha medo de meu namorado se enciumar. Que pena! Partimos e nos perdemos pela vida. Cada um seguiu um caminho e só restaram as lembranças, a dor e a saudade.
E hoje eu sei que eu devia ter vivido com muito mais intensidade aqueles momentos únicos na minha vida adolescente.
Porém, quero aproveitar essa oportunidade para dizer aos meus amigos de jornada que aqueles quatro anos que vivi ao lado deles foram à melhor fase de minha juventude e quero que todos saibam do meu arrependimento, a intensidade de meu arrependimento, e que trago no peito uma imensa dor e saudade de cada amigo. E que por causa da inexperiência, não vivi da forma que deveria ter vivido aqueles momentos de prazer e realização ao lado de pessoas que durante tanto tempo fizeram parte importantíssima de minha vida. E eu poderia ter contornado melhor a situação.
Gostaria de ter abraçado a cada um deles. Ter dado um abraço forte, olhado bem nos olhos e dito:
− Adeus companheiros de uma vida, de uma história. Sigam felizes pela vida, que tenho certeza irá cuidar bem de cada um. Vou levá-los no coração pra sempre. Amigos, companheiros e quase irmãos, essa pessoa que hoje sou tem um pouquinho de cada um de vocês.
Aprendi com os vários agriculinos, de culturas e personalidades mil, a ter força e garra para lutar. Saibam que vocês passaram pela minha vida para me ensinarem tudo que sei e principalmente, ensinaram-me que viver é sentir cada segundo dessa vida boa, serena e às vezes agreste, mais que devemos viver cada momento intensamente.


O ÚLTIMO ADEUS


E naquele dia e parti sem olhar para trás. Com o coração dilacerado, rasgado, sangrando de dor eu segui sem nem ao menos olhar para trás.
Passamos na casa em que eu morava, recolhemos minhas coisas. Meu pai colocou tudo no carro.
O Cleber acompanhava tudo calado. Um silêncio doloroso. As palavras nos faltavam.
Todos entraram pro carro, ficando somente nós à porta do automóvel.
Ele olhou fundo nos meus olhos, com amor derramando pelos poros e uma dor terrível que dilacera a alma. Parou, abaixou os olhos, suspirou fundo e disse:
− Vou te ligar todos os dias e não deixarei de pensar em você um só minuto. E assim que der vou lhe visitar.
Um grande silêncio fez-se entre nós. Lágrimas rolaram de nossas faces e selamos tudo com um beijo. Um beijo apaixonado, terno, afetuoso, interminável...
Olhamo-nos por alguns instantes e deixamos o silêncio falar por nós.
Entrei no carro e papai saiu no mesmo instante.
Ficamos nos olhando até nos tornarmos formiguinhas. Minúscula e insignificante é a distancia para o amor.
 O FIM
.
Pela manhã, apos acordar, sentei-me na cama, respirei fundo, fechei e abri os olhos pra ver se tudo aquilo era verdade. Fui até a cozinha, peguei uma xícara de café. Sentei-me à mesa. E tomei a xícara de café mais longa e amarga de toda a minha vida.
Depois, por vários dias nos falamos pelo telefone. E as conversas eram intermináveis. Porém um dia ele não ligou e nem eu voltei a telefonar-lhe. E mesmo que vocês digam que eu deveria ter ligado, não acredito que isso salvaria nossa história de amor, pois a distancia já havia se incumbido de terminar ali em Aquidauana, à Rua dos ferroviários, em frente ao cemitério quando nossos corpos se transformaram em dois pontos separados pela distancia.

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